O TEXTO ESCRITO ABAIXO É DE PURA RESPONSABILIDADE DO ESCRITOR
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Anjo é anjo. Eu sou homem de carne e osso.
Foi
a minha resposta aos terráqueos brasileiros do ano de 1901 quando cheguei de
por lá em uma viagem no tempo. Havia aproximadamente trinta pessoas naquele
salão. Todos eram protestantes. Estavam ensaiando um hino para gravar em uma
máquina revolucionária, recentemente inventada, capaz de reproduzir voz humana
e músicas: o fonógrafo. A minha visita suspendeu o ensaio. Alguém dentre eles,
que parecia ser o maestro, mesmo surpreso, retrucou:
-
Então, quem é você, e o que faz aqui?
-
Bem, senhoras e senhores, há exatos vinte e quatro anos, isto é, em 1877,
Thomas Edison inventou o fonógrafo, como é do conhecimento de todos. E agora
esse maravilhoso aparelho permite que pessoas honradas como o nosso irmão José
Clementino de Aguiar e o pastor Bellarmino Ferraz e suas respectivas famílias,
aqui presentes, aventurem-se na primeira gravação de uma música evangélica no
Brasil. Eu vim do ano de 2017. O meu objetivo é alertar que esta gravação
desencadeará consequências nefastas para a igreja evangélica brasileira no
futuro. Por isso aconselho que sejam tomadas algumas precauções. Daqui a quatro
décadas terá início uma corrida mercantilista envolvendo músicas de louvor. A
procura por essas músicas vai crescer a tal ponto que atrairá a ambição de
muitos afortunados incrédulos. Haverá grande concorrência entre eles. Para
aumentarem suas vendas, passarão, aos poucos, a produzir músicas para agradar
ao público e não mais a Deus, o que resultará na perda da unção em seus
louvores.
-
Que precauções seriam essas – disse o maestro: - e por que nós é que temos de
tomá-las? Vocês da igreja do futuro deviam resolver seus próprios
problemas. Afinal, estão mais evoluídos do que nós.
-
A igreja do futuro infelizmente está contaminada pela avareza. Ao longo
dos anos surgiram gigantescas corporações que mesclaram a igreja com o mercado.
Muitos líderes do futuro estão comprometidos com essa mescla. Vendem adoração,
pregação, bênçãos, promessas e objetos ungidos. Eles se tornaram comerciantes
habilidosos, porém insensíveis. Não fazem mais distinção entre o santo e o
profano; estão cegos. Senhoras e senhores, se desde agora não for proibida a
venda de gravações de músicas sacras a identidade da igreja de Cristo no futuro
estará comprometida.
-
O que nós podemos fazer para evitar isso, meu irmão do futuro?
-
Reúnam lideranças protestantes num grande concílio para tratar do assunto e
regulamentar essa atividade. Não deixem que músicas de adoração sejam vendidas.
A base da apostasia que está prestes a começar é a venda de coisas sagradas.
-
E se não conseguirmos reunir um concílio para regulamentar este assunto de tão
grande importância?
-
Infelizmente, será o começo de tudo...
Ainda
conversávamos quando outro visitante do futuro surge no salão:
-
Trago ótimas notícias aos nossos irmãos deste ano de 1901. Venho do ano de
2030. Na verdade, isto é uma projeção. Eu ainda estou lá, mas me projetei aqui.
As igrejas evangélicas brasileiras vão muito bem. Já são maioria no país. Desde
que vocês que gravaram o primeiro louvor, o Brasil inteiro ouve e canta músicas
evangélicas. Há grandes casas de espetáculos realizando shows diariamente.
Desenvolvemos a arte de mercadejar o reino de Deus. Usamos o nosso dinheiro,
isto é, nossa moeda virtual, obtida com as vendas para financiar obras de
evangelização do governo mundial. Milhares de estabelecimentos negociam
adoração. Não há mais fronteiras entre música secular e cristã. A doutrina
evoluiu bastante e se tornou aceitável a todos. Não há mais espaços para
radicalismo e a tolerância é marcante em nosso meio. Também há igrejas diversas
para todos os gostos, milhares delas, sempre lotadas de pessoas buscando seu
bem-estar.
-
Excelente situação. Temos aqui dois visitantes do futuro: um com notícias
pessimistas e outro com notícias otimistas. Ambos querem interferir no futuro a
partir do passado...
A
essa altura eu tomei a palavra:
-
Senhores eu trouxe um relato pessimista, porém verdadeiro. Se vocês quiserem
dar-me crédito, contribuirão para o bem do cristianismo nos próximos cem anos.
Entretanto deixo a decisão em suas mãos.
-
A questão é que ontem – continuou o maestro: - recebemos a visita de um outro
viajante do tempo, enviado por uma organização chamada CERN, por meio de um tal
acelerador de partículas. Ele se comunicava por telepatia e recomendou que não
aceitássemos o relato do viajante vindo de 2017, ou seja, o seu relato.
-
Essa criatura era homem ou anjo?
-
Anjo, talvez... falou também que não deveríamos acreditar se você falasse que
os louvores sofreriam metamorfose adquirindo duplo sentido e erotização; que
sósias de cantores ídolos da música mundana seriam introduzidos no meio
evangélico e um poder paralelo comandado por investidores do mundo dos negócios
seria implantado na igreja.
-
Bem, senhoras e senhores, eu não sou Deus nem anjo, sou homem de carne e osso;
e não viajei até aqui usando o CERN. Apelo, tão-somente, para o discernimento
dos presentes, pois com um pouco de raciocínio e boa vontade é possível antever
o estrago que a venda de louvores causará. Não posso mais demorar, o meu tempo
está acabando. Partirei de volta para 2017. Se quando eu chegar lá as coisas
estiverem diferentes, saberei que os senhores ouviram o meu conselho e tomaram
a decisão correta. Foi um prazer conhecê-los.
Cheguei
há duas horas. Estou lendo um jornal de domingo. Duas matérias me chamam a
atenção. A primeira: “CERN abre portal do inferno e libera demônios em nosso
planeta”. A segunda: “A maior feira evangélica da América Latina começa em São
Paulo”.
Por:
Clóvis Mendes
Presbítero
da Igreja Assembleia de Deus - Ministério do Guará
Mário
Andreazza - Bayeux/PB
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